sexta-feira, 17 de junho de 2011

Inverno de séculos

Houve estações. Desejo amanhecido em brotos primaveris: o primeiro beijo, as mãos dadas, símbolo universal de um amor que ainda não é aguilhão na carne. O tórrido da pele contra a minha, o pau marcando-me como se em brasa pudesse escrever: daqui pra diante nunca mais a mesma. Alto verão.

Calor e fogo de anos, de tantos corpos, de outros namorados, maridos, amantes, até de um ou outro passante, quando, eu, aos quarenta graus, em plena chama do querer, encontrava os homens habituais adormecidos, indispostos, cabeça cheia e paus murchos.

E então, o inverno. De séculos. Não sei quando nem como começou. Sei que um dia, debaixo de alguém, sendo comida vorazmente, mãos em meu peito, boca percorrendo-me em sedes, eu vi: o sexo é algo ridículo. Desde então, nunca mais. Ao vestir-me, olhei incrédula pela janela: flocos de neve? Claro que não, imagina, bobagem. Passados anos, cumes cobertos de gelo, branco pelas ruas. Tremo, de um frio sem ardor, tudo geme, se estilhaça e quebra.

Hoje não. O café muito quente, alento para a gélida manhã. Impossível tomá-lo de imediato, mas por sobre a roupa o toque casual da xícara me fez sentir. Encostei-a de novo, desta vez, consciente. Senti-a, mais forte, mais quente, mais. Levantei a blusa e o frio de eriçar pelinhos inexistentes ameaçou-me. Dei um primeiro gole. Forte, amargo, bom. Encostei a xícara na pele nua. Sentia-a reconfortante, cálida. Abaixei a saia, mais um gole. Pressionei muito suave, em rápidos movimentos, depois mais forte, mais demorado, senti-a, senti-me.

A xícara na mesa, a calcinha aos pés. Verão.

2 comentários:

  1. Isso é que é estréia em grande estilo. Delícia, já fui pegar uma xícara ;-)

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  2. hum... estamos tão bem acompanhadas agora, não é mesmo, Merteuil?

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Sussurra no nosso ouvido, vai...